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PERSPECTIVAS TRANSOCEÂNICAS

Perspectivas transoceânicas é um programa de pesquisa e exposições voltado à produção artística na diáspora asiática, concebido e coordenado pelo curador Yudi Rafael em parceria com a galeria Almeida & Dale. Com uma ênfase geográfica no continente americano, seu título alude ao papel das rotas e fluxos transoceânicos, que conectaram o mundo Atlântico e o Pacífico, na construção da modernidade global e dos dilemas do presente. Além de exposições anuais no espaço da galeria, o programa visa a criação de um projeto editorial voltado à tradução e publicação em português de livros seminais do campo dos estudos asiático-americanos, assim como o fomento da pesquisa em torno de espólios de artistas brasileiros de origem asiática.

Em sua edição inaugural, o programa apresenta a primeira mostra individual de Candice Lin no Brasil, assim como reúne um conjunto quase inédito de esculturas e desenhos de Mario N. Ishikawa, produzidos a partir da década de 1980. Candice e Mario compartilham da relação íntima e visceral com seus materiais de investigação, abrindo-se para as agências mais-que-humanas que se tornam parte constitutiva de seus processos de trabalho. Artistas de diferentes gerações e contextos geográficos, oferecem, com suas práticas, modelos para o engajamento crítico com as crises ecológicas e sociais de nosso tempo. Ao mesmo tempo, lançam luz sobre diferentes estratégias de elaboração e reflexão sobre a experiência diaspórica, transitando entre formas diretas e crípticas, históricas e biográficas.



curador Yudi Rafael - créditos: Denise Andrade

CANDICE LIN: HOSPITALIDADE AOS FANTASMAS

Candice Lin trabalha com pintura, escultura, instalação e vídeo, produzindoambientes imersivos e multissensoriais por intermédio do uso de matéria viva, como fungos e bactérias, plantas e processos de fermentação e fabricação artesanal de tinturas. Por meio de uma metodologia que combina a pesquisa documental em arquivos e a experimentação com materiais em ateliê, a artista investiga os legados da colonização, do racismo e do sexismo, ligados às histórias do comércio global de mercadorias coloniais como o açúcar, o tabaco, o ópio e a porcelana.


Hospitalidade aos fantasmas, sua primeira individual no Brasil, reúne um conjunto de obras que integram diferentes projetos realizados por Lin nos últimos seis anos. Nessas obras, Candice se debruça sobre noções de pureza e contaminação que emergem de vocabulários da diferença racial, cujos usos borram fronteiras entre seres humanos e não humanos, animais, plantas e objetos. Relacionando temas aparentemente díspares, como a materialidade da porcelana, a identificação de doenças e seus agentes infecciosos, o processo de refinamento do açúcar e as experiências de imigrantes asiáticos no continente americano, a artista faz uso de uma abordagem especulativa para estabelecer associações entre discursos, eventos e figuras que se movem por tempos e geografias distintas.


Suas incursões materiais e históricas evocam fantasmas que se recusam a permanecer no passado. É o caso da figura espectral do coolie – termo atribuído de forma pejorativa e genérica ao trabalhador asiático traficado para diversos países das Américas no século XIX – cuja vida nas plantações caribenhas de cana-de-açúcar, tematizada em suas obras, é marcada pela coerção e pela violência. Sua aparição nos remete a um mundo em transição, onde categorias e hierarquias raciais pautaram promessas não cumpridas de liberdade, de um horizonte que não se estendera da mesma forma àqueles que não eram vistos como parte de uma mesma humanidade. As assombrações da artista, desse modo, nos confrontam com aquilo que, do passado, segue não resolvido e, como tal, permanece em aberto, à procura de uma resolução. Aotornar visível aquilo que fora esquecido, nos impelem a imaginar futuros outros.



MARIO N. ISHIKAWA: SÍTIO ARQUEOLÓGICO


Mario Ishikawa é um expoente das práticas conceitualistas na América Latina. Sua vocação experimental e transgressiva, a qual o conduziu pelos caminhos da expansão das linguagens, estratégias e formas de circulação da arte no período da ditadura militar no país, tornou-se hoje sua faceta mais conhecida. Mas se sua produção tem sido revisitada em narrativas historiográficas da arte brasileira de importantes exposições institucionais sobre esse período, isso não significou, no entanto, uma recepção mais ampla dos trabalhos produzidos pelo artista após o processo de redemocratização – fato que levou todo um corpo de trabalhos a permanecer quase desconhecido.


Sítio arqueológico visa cobrir essa lacuna, reunindo um conjunto, em parte inédito, de desenhos e esculturas produzidos entre as décadas de 1980 e 2010, que demonstram a vitalidade de uma trajetória fecunda e inquieta. Nesse período, o artista retoma a pintura e a escultura como parte de uma investigação que se volta para a matéria orgânica e sua transformação, a dimensão cíclica do tempo e as simbologias da fertilidade e da morte. Sua prática se circunscreve, então, ao espaço doméstico, em que Ishikawa recolhe galhos de árvores, arbustos e trepadeiras para produzir esculturas, e utiliza lamparinas de querosene como instrumento de desenho, reelaborando suas memórias da infância vivida em cafezais do interior de São Paulo, onde sua família se estabeleceu pela agricultura.


Mario concebe os desenhos da série Fumaça como espécies de releituras secas do sumi-ê, produzidas por meio da manipulação do fogo e da fumaça. Já em suas esculturas biomórficas da série Criaturas de fundo de quintal, trabalha com incisões de goivas e maçarico, enxertos de espinhos e adereços, e camadas de pigmento e grafite. Utiliza como matéria a madeira preparada pela ação de insetos e micro-organismos, que marcam as peças com cicatrizes, num gesto de abertura às agências mais-que-humanas que atuam nos canteiros de sua casa. Sua escolha por recorrer, em ambos os conjuntos, a materiais ao alcance das mãos, num processo permeável à temporalidade da compostagem, confere uma vocação ecológica a essa produção. O artista retoma, desse modo, temas como a violência, o erotismo e o grotesco, recorrentes em seu trabalho, atento à condição de um mundo em crise, ao qual responde por meio de um posicionamento de religação do individual ao coletivo e do social ao ambiental.


Mario N. Ishikawa: Sítio arqueológico e Candice Lin: Hospitalidade aos fantasmas inauguram o programa Perspectivas transoceânicas na galeria Almeida & Dale. Dedicado à pesquisa e a exposições anuais sobre a arte na diáspora asiática, o programa se dedica ainda à criação de um projeto editorial voltado à tradução e à publicação, em português, de obras seminais do campo dos estudos asiático-americanos, visando contribuir para a reflexão crítica e transnacional sobre os contextos diaspóricos dessa produção artística.



Confira as fotos do evento de inaguração: https://www.arteempauta.com.br/26-10-2023-galeria-almeida-e-dale



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